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Sobre Salmos 119

O Salmo 119 é geralmente lembrado por ser o capítulo mais longo da Bíblia e, também, por referir-se, quase que exclusivamente, à importância da Palavra de Deus para a vida do cristão. Confesso que, a exemplo de muitos irmãos, nunca havia me aventurado a meditar mais detidamente sobre o Salmo 119, já que as poucas vezes que o li, o fiz mais por obrigação do que por prazer.
Entretanto, mergulhar no Salmo 119 é um ótimo e prazeroso exercício para o cristão, buscando entender melhor o que ele ensina. Embora, por si só, o Salmo 119 sirva para inspirar um livro inteiro em 2 ou 3 volumes, alguns versículos merecem ser brevemente destacados.
A estrutura do Salmo 119 é bem conhecida. É um salmo composto de 22 estrofes, uma para cada letra do alfabeto hebraico, de “Álefe a Tau”, ao que corresponderia a “de A a Z” no nosso alfabeto ocidental, ou seja, é um poema em acróstico com as 22 letras do alfabeto hebraico compostas em estrofes. Cada estrofe é composta de 8 versículos, que, no original hebraico, começam com a mesma letra a que se refere a estrofe. Oito também são os sinônimos, em hebraico, para as palavras que se referem à Palavra de Deus, geralmente traduzidas em português por:
1) lei - תּורה - tôrâh ;
2) testemunhos - עדוּת - ‛êdûth ;
3) preceitos - פּקּוּד - piqqûd ;
4) estatutos - חקּה - chûqqâh ;
5) mandamentos - מצוה - mitsvâh ;
6) juízos - משׁפּט - mishpât ;
7) palavra - דּבר - dâbâr ;
8) ordenanças - מנּי - minnêy.
Importante esclarecer que há 19 ocasiões em que o termo hebraico traduzido por "palavra" é אמרה 'imrâh - que, embora seja sinônimo também de "lei", tem nesses casos o sentido de "promessa", como num dos versículos mais conhecidos do Salmo, o v. 11 ("Escondi a tua palavra no meu coração, para não pecar contra ti"). Repare no contraste até certo ponto inusitado: não é exatamente a "palavra" de Deus como "lei", "mandamento", que devemos esconder no coração para não pecar contra Ele, mas a Sua "promessa"! Os outros versículos em que "lei" como "promessa" aparece são os vv. 38, 41, 50, 58, 67, 76, 82, 103, 116, 123, 133, 140, 148, 154, 158, 162, 170 e 172. Interessante também observar que, mesmo escrevendo em grego, mais tarde Paulo manterá essa estreita ligação entre "lei" e "promessa", mais especificamente em Efésios 6:2 - "Honra a teu pai e a tua mãe (que é o primeiro mandamento com promessa").
Somente dois versículos (122 e 132) não contêm um desses termos sinônimos nem se referem explicitamente à Palavra de Deus. Ou seja, ao que parece, o escritor do Salmo, divinamente inspirado, quis compor um hino à beleza e à perfeição, procurando abranger num único poema a totalidade dos atributos da Palavra de Deus. Outra razão possível para essa estrutura peculiar e repetitiva é o fato de se poder ensinar a importância da Palavra aos jovens e às crianças, que teriam uma maneira mais fácil de aprender e memorizar o Salmo, pelo menos em partes, já que cada estrofe utiliza pelo menos 6 desses sinônimos e contém em si mesma um resumo de tudo o que o salmista quer dizer.
A autoria do Salmo 119 é desconhecida e controversa, embora alguns estudiosos a atribuam a Esdras, enquanto a maioria prefere se manter afastada desta polêmica. Aqueles que atribuem a Esdras o Salmo 119 filiam-se à corrente de estudiosos que identifica indícios de sua composição após o exílio babilônico por um sacerdote ou levita . Esses indícios seriam as referências aos "poderosos" do v. 23, ao falar "diante de reis" do v. 46, de ter o Senhor como "herança" no v. 57, e de ser perseguido por "governantes" no v. 161. De fato, existe uma considerável probabilidade de que os eventos que se sucederam ao retorno do exílio babilônico tenham motivado Esdras, Neemias e os levitas a comporem o Salmo que prega exatamente a fidelidade à Lei de Deus e o arrependimento pelo fato do povo ter dela se desviado. Quando o capítulo 9 de Neemias narra a confissão coletiva do povo de Israel, termina com "um firme concerto e o escrevemos; e selaram-no os nossos príncipes, os nossos levitas e os nossos sacerdotes" (v. 38). O capítulo 10 enumera as famílias dos que firmaram este pacto, que, segundo o v. 29, "firmemente aderiram a seus irmãos, os mais nobres de entre eles, e convieram num anátema e num juramento, de que andariam na Lei de Deus, que foi dada pelo ministério de Moisés, servo de Deus; e de que guardariam e cumpririam todos os mandamentos do SENHOR, nosso Senhor, e os seus juízos e os seus estatutos", atitude corroborada pelo v. 106 do Salmo 119, em que o salmista proclama: "Jurei e cumprirei que hei de guardar os teus justos juízos". Repare que somente em Neemias 10:29 aparecem quatro termos diretamente associados à Palavra de Deus: "Lei", "mandamentos", "juízos" e "estatutos". Se já era típico do povo hebreu a repetição de termos para fixá-los ainda mais, este comportamento foi ainda reforçado após o retorno do exílio.
Como Neemias 9:38 expressamente narra, aquele pacto foi "escrito". Logo, dada a sua forma única e, por assim dizer, extravagante de composição, o que lhe dá lugar de destaque no Saltério, supõe-se também que o Salmo 119 tenha sido - talvez - o único a ter sido originalmente composto por escrito, para depois ser lido ou recitado cerimonialmente, enquanto os outros eram geralmente compostos inicialmente de forma verbal ou cantada, por serem obviamente mais simples e fáceis de memorizar


Fontes:http://www.e-cristianismo.com.br/pt/textos/99-reflexoes-no-salmo-119